De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o cuidado paliativo é a prática em que uma equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e terapeutas ocupacionais) trabalha para promover qualidade de vida, aliviar os sintomas da doença e trazer conforto psicológico para familiares de pacientes com doenças crônicas ou em estágio avançado.
Evidências científicas robustas demonstram que o Cuidado Paliativo (CP) influencia positivamente na qualidade de vida e impacta na redução de custos nos serviços de saúde; no entanto, apesar disso e da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) com relação à organização do CP a nível nacional, o Brasil ainda apresenta desenvolvimento insuficiente, quando comparado a outros países da América Latina.
Um levantamento realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) apontou que, dos mais de 5 mil hospitais no Brasil, apenas 10% disponibilizam um time de CP. No total, existem 177 equipes no país. Dessas, mais de 50% estão concentradas na Região Sudeste. Apenas 10% (cerca de 13 equipes) atendem o Norte e Nordeste. Além disso, segundo o ranking “Quality of Death Index”, publicado pela revista The Economist em 2015, o Brasil é um dos piores países para morrer. Isso se deve ao baixo acesso a atendimento de cuidados paliativos de qualidade e ao de medicamentos para o tratamento adequado da dor. Diante desse cenário, o Programa Cuidado Paliativo no SUS - vigente desde 2020 - tem como proposta impulsionar a organização e desenvolvimento dos CP no Brasil, visando integrar a prática desta abordagem em toda rede de atenção à saúde a pacientes e famílias atendidos pelo SUS, de forma a propiciar cuidados continuados e integrados.
A iniciativa objetiva capacitar equipes do SUS e implementar protocolos de Cuidados Paliativos em 24 a 30 grupos de instituições (hospital, ambulatório de especialidades e atendimento domiciliar do mesmo território), distribuídos pelas unidades federativas brasileiras ao longo do triênio 2021-2023. Com isso, espera-se melhorar a qualidade e segurança das unidades de saúde e impacto positivo na saúde dos usuários (pacientes e familiares); melhorar a gestão do cuidado, fomentar cuidado centrado no paciente e a qualidade da assistência em CP; otimizar a alocação dos recursos de saúde; otimizar o trabalho em equipe e a comunicação; produzir e compartilhar conhecimento.
Justificativa e relevância do projeto para o SUS
Este projeto é uma iniciativa do PROADI-SUS para impulsionar a organização e desenvolvimento dos CP no Brasil, em consonância com as diretrizes do Ministério da Saúde e de acordo com a resolução nº 41 da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) de 31 de outubro de 2018 e com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Atlas Global da OMS sobre CP de 2020 traz que no Brasil existe um ativismo em relação aos CP em diferentes áreas; disponibilidade de morfina; serviços de CP de diferentes provedores espalhados no país. No entanto, a provisão de treinamento em CP se deve a iniciativas dessas organizações e ainda não há integração dos serviços com uma estratégia nacional implementada. Esta falta de integração e massa crítica de profissionais capacitados talvez explique o achado do estudo publicado na revista The Economist, que mostra que o nosso país é um lugar onde a qualidade de morte é sofrível. Num ranking de 80 países, o Brasil ficou no 42º lugar, uma classificação pior do que Chile (27º), Costa Rica (29º), Panamá (31º), Argentina (32º), Uruguai (39º), África do Sul (34º), Uganda (35º), Mongólia (28º) ou Malásia (38º). Além disso, o baixo desenvolvimento do CP se associa ao aumento da frequência da distanásia e obstinação terapêutica, que por sua vez, favorecem a superlotação de UTI e Unidades de Urgência e Emergência. Este aumento tem o potencial de gerar dano aos pacientes tanto em termos físicos como psicológicos e financeiros, além de ameaçar a viabilidade do sistema de saúde por aumentar custos e não alocar recursos adequadamente.
Para evitar este ciclo, os profissionais de saúde precisam desenvolver competências de CP, conhecimento sobre os diferentes serviços de apoio na rede, assim como ter uma estrutura de saúde que favoreça sua aplicação de forma ética e humanizada. A implantação deste projeto deve validar a autonomia dos pacientes, melhorar a qualidade e a satisfação com os cuidados recebidos, além de promover uma alocação mais adequada do uso de recursos de saúde, reduzindo seus custos e agregando valor ao sistema como um todo. O projeto está de acordo com princípios doutrinários do SUS – universalidade, equidade e integralidade.
Abrangência e Elegibilidade: No triênio 2021-2023, o Ministério da Saúde (MS) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) expressaram interesse na expansão nacional deste projeto, o qual envolverá entre 24 a 30 grupos de instituições (um hospital, um ambulatório de especialidade e um serviço de atenção domiciliar de uma mesma região) ao longo dos três anos. Esses grupos de instituições serão distribuídos nacionalmente de forma a beneficiar os diversos estados brasileiros. Este projeto será apresentado em assembleia do CONASS, com a participação das Secretarias Estaduais de Saúde, onde as unidades federativas poderão expressar seu interesse em participar do projeto e formalizar a adesão. As Secretarias Estaduais de Saúde que aderirem ao projeto irão indicar os serviços de saúde a serem beneficiados a partir dos critérios técnicos descritos no projeto. Será formalizada a adesão das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, bem como dos gestores dos serviços de saúde beneficiados por meio de assinatura de Termo de Adesão;
Planejamento e Gestão: As atividades de planejamento e gestão ocorrem ao longo de todo o projeto. Incluem a seleção, contratação e capacitação da equipe; a definição e acompanhamento detalhado do cronograma; alinhamentos com CONASS, MS e Secretarias de Saúde para seleção e acompanhamento dos serviços beneficiados; além de alinhamentos com os gestores dos serviços. A gestão orçamentária e de qualidade das ações e entregas são atividades permanentes durante todo o projeto, sendo previstas reuniões regulares de report com os técnicos do MS e do CONASS designados para o acompanhamento do projeto;
Alinhamento Inicial: Fase na qual são definidos, junto à Secretaria de Estado de Saúde (SES) e à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), os serviços a serem beneficiados, além de serem feitos os contatos iniciais com as lideranças para apresentação da proposta e metodologia do projeto. Juntamente com a assinatura dos termos de adesão, ocorre o alinhamento sobre fornecimento e coleta de dados, estabelecimento de cronograma e pontos focais nas instituições;
Diagnóstico: O diagnóstico situacional das instituições participantes é realizado por meio de reuniões com os gestores e colaboradores, visitas às áreas para coleta de informações, além do uso de formulários online. São levantados dados gerais e epidemiológicos, realizadas entrevistas e/ou grupos focais com os colaboradores dos serviços para levantamento de demanda e cultura de CP na instituição e avalia-se também a existência de protocolos clínicos e qual a formação em CP dos profissionais atuantes nos serviços;
Definição dos planos de ação: O desenvolvimento dos planos de ação é compartilhado com as lideranças locais ao final da fase de diagnóstico, da seguinte forma: os dados levantados são apresentados para os serviços, então a equipe PROADI-SUS/HSL, em conjunto com as lideranças dos serviços beneficiados, elencam possíveis ações para a melhoria da assistência em CP no local. A definição de quais ações serão realizadas é feita considerando-se o esforço e o impacto envolvidos. São estabelecidos prazos, responsáveis, resultados esperados e indicadores a serem monitorados;
Sensibilização e Capacitação: O projeto busca uma mudança de cultura, juntamente com a introdução de manejos clínicos tecnicamente bem definidos, mas que hoje não fazem parte da rotina dos serviços. O plano de treinamento elaborado busca orientar, capacitar e sensibilizar gestores e equipes em relação ao novo programa de CP. Esse processo é fundamental na construção de um modelo de assistência em CP, pois a grande maioria dos profissionais de saúde desconhece o tema ou tem conceitos inadequados, que além de comprometer a qualidade assistencial, pode gerar angústia na prática profissional. O processo de sensibilização e capacitação se inicia assim que o projeto começa nas instituições. Logo no início, é feita uma apresentação do projeto para os colaboradores e lideranças, na qual são introduzidos conceitos fundamentais de CP, a proposta do programa e seu impacto potencial. A seguir, são disponibilizadas 250 licenças por grupo de instituições para a plataforma de Educação a Distância (EAD) do IEP-HSL para realização do curso “Cuidados paliativos para não paliativistas” nos módulos médico e multiprofissional. Este curso tem carga horária de 20 horas e é composto de atividades assíncronas, isto é, permite que os alunos as assistam nos horários que lhes forem mais convenientes. Ao final, aplica-se uma avaliação dos conhecimentos adquiridos, a qual é feita na própria plataforma de EAD e, por fim, os aprovados receberão certificado do curso. Além do curso EAD, são realizadas oficinas teórico-práticas (workshops) para aprofundar a capacitação de profissionais-chave das instituições por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Serão oferecidas cerca de 45 vagas de WS por grupo de instituições. A carga horária prevista para esses treinamentos é de 16 horas;
Apoio à Implementação dos Planos de Ação: Nos 3 a 4 meses subsequentes, realiza-se o apoio à implementação dos planos de ação estabelecidos. Estes são definidos de maneira compartilhada com os serviços, considerando o esforço para execução e o impacto na realidade das instituições participantes. Objetiva-se melhorar as práticas assistenciais e processos relativos a CP nos serviços em relação ao seu status anterior. Os consultores de CP da equipe PROADI/HSL apoiam os responsáveis pelos planos de ação das instituições, na gestão e execução das atividades a serem implementadas, utilizando boas práticas em CP e ferramentas de gestão de projetos. Encontros anuais de Divulgação de Resultados visando propiciar a participação e integração de um maior número de pessoas;
Publicação de Manual de Cuidados Paliativos: Traz dados atualizados de literatura internacional em português de maneira prática e objetiva, apresentando opções disponíveis e viáveis para o SUS. Disponível para download gratuito clicando aqui.
Entre 2021 e 2023 foram contemplados 92 serviços distribuídos em 31 grupos.
A fase de diagnóstico foi realizada em 100% dos serviços participantes, enquanto a implementação do programa foi concluída em 30 grupos de serviços e 87% dos planos de ação previstos foram executados.
Dos 29 hospitais que concluíram a fase de implementação, 6 utilizavam protocolo para priorização de admissão em UTI conforme o CFM. Com a atuação do projeto, esse número aumentou para 19.
A maturidade em relação a estrutura e processos de cuidados paliativos foi medida no início e ao final do projeto.
No âmbito da capacitação foram 8651 profissionais impactados pelas atividades educativas; mais de 80% das vagas do curso EAD e do workshop teórico-prático foram preenchidas.
Ao final do projeto, 794 profissionais responderam uma pesquisa. Destes, 82% concordaram que se sentem emocionalmente confortáveis em cuidar de pacientes em fim de vida e 95% concordaram que o projeto promoveu mudança de cuidado centrado na doença para cuidado centrado na pessoa.
A 2ª edição do Manual de Cuidados Paliativos, ampliada e revisada, foi publicada em formato digital e está disponível nos sites do MS, CONASS e Hospitais PROADI-SUS (https://proadi-sus.org.br/manual-cuidados-paliativos.pdf).
Cinco trabalhos foram apresentados em congressos, demonstrando o impacto e a relevância das iniciativas desenvolvidas. Esses resultados comprovam o sucesso do projeto em expandir e aprimorar os cuidados paliativos no país, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Equipe Cuidados Paliativos
Ministério da Saúde Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência (DAHU) Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS)