Dados epidemiológicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do estudo internacional Global Burden of Disease de 2016 demonstram que a epilepsia se trata de uma das doenças neurológicas mais comuns, afetando, aproximadamente, 50 milhões de pessoas em âmbito mundial, com prevalência de 1,5 a 30 casos para cada mil habitantes. No Brasil, é significativa a possibilidade de as taxas reais estarem abaixo da realidade, assim como as referentes aos transtornos mentais associados, visto que até o momento o país não possui estudos epidemiológicos com critérios metodológicos comuns para especificar estas informações.
Os desfechos clínicos dos pacientes diagnosticados estão associados a maior mortalidade devido a crises prolongadas, acidentes e morte súbita. Observa-se, também, um maior risco para o desenvolvimento de doenças psiquiátricas, especialmente as associadas à ansiedade e depressão. No âmbito social, inúmeros problemas são enfrentados, tais como desemprego, isolamento social, efeitos adversos dos medicamentos, entre outros, tanto por conta dos riscos constantes de se ter uma crise convulsiva, quanto por preconceitos e estigmas. Estes pacientes sofrem os impactos da epilepsia desde a infância com tonturas, falta de energia, sonolência, fadiga; além do isolamento e constrangimento social por medo de novos episódios; além da dificuldade de estabelecer laços e frequentar círculos sociais.
Em relação ao tratamento, o principal objetivo é deixar os pacientes livres de crises para que possam levar uma vida independente. No entanto, uma das lacunas encontradas é a proporção de pessoas que necessitam dele, mas não o receberam: algumas evidências, incluindo revisões sistemáticas, estimam uma lacuna entre 75% e 80% em países de baixa renda e entre 50% e 56% em países em desenvolvimento. Um estudo brasileiro, realizado em duas cidades do sudeste, apresentou resultados semelhantes, estimando uma lacuna entre 56% e 59%.
Visto que a epilepsia é uma doença crônica complexa, que compromete consideravelmente a qualidade de vida quando não tratada adequadamente, é certo afirmar que o paciente diagnosticado requer uma rede complexa de atenção, especialmente tratando-se do sistema público de saúde. Por vezes, estas pessoas necessitam de atendimento em diferentes níveis de complexidade (níveis primário, secundário e terciário), segundo o Protocolo Clínico e Assistências Terapêuticas para Epilepsia. A maioria pode receber apoio na Atenção Primária à Saúde (APS), quando o foco é prevenção e controle dos sintomas, mas existem aqueles com sinais de alerta e os que não respondem ao tratamento, o que demanda o encaminhamento para o especialista, nível secundário de atenção, em colaboração com os médicos da atenção primária. Ao nível terciário, são encaminhados os pacientes com evolução fora do comum para avaliação de tratamentos alternativos, como o tratamento cirúrgico de epilepsia, ou ainda, num segundo momento, para tratamento de estimulação do nervo vago, de acordo com estudos recentes e revisões da literatura.
Evidências apresentadas no Relatório Final de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da Secretaria de Saúde do Distrito Federal demonstram a desestruturação e a falta de acesso aos pacientes com epilepsia, tais como a ineficiência da atenção primária em acompanhar os pacientes de fácil controle e grande número de usuários aguardando consulta neurológica, seja para adultos ou para crianças. Acredita-se que este cenário se repita nas demais regiões do país.
Em nível terciário de atenção, a rede de hospitais brasileiros cadastrados na Alta Complexidade em Neurologia e Neurocirurgia conta com 30 estabelecimentos habilitados com o Serviço de Investigação e Cirurgia de Epilepsia, distribuídos no Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Ressalta-se que a região Norte do Brasil não possui hospitais habilitados com o Serviço de Investigação e Cirurgia de Epilepsia. Estes dados demonstram que não existe uma rede estruturada e funcional de hospitais que, além de habilitados, realizem a cirurgia para tratamento dos casos refratários de epilepsia de forma rotineira, em todas as regiões do Brasil.
Segundo o DATASUS, o departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil, os custos registrados com o total de internações para Tratamento de Crises Epiléticas de Difícil Controle ultrapassaram 96 milhões de reais entre outubro de 2019 e outubro de 2021. Ao todo, foram 130.655 internações hospitalares e 3.740 óbitos registrados.
Uma vez que existem evidências de uma lacuna para o tratamento medicamentoso, até mesmo para os alternativos para epilepsia refratária (resistente), identifica-se a necessidade de avaliar se a rede de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza atendimento integral e igualitário aos pacientes com epilepsia. Neste sentido, a avaliação sistêmica da rede de atenção torna-se fundamental para o planejamento de políticas públicas e direcionamento de esforços e investimentos, de forma estratégica e precisa, no fortalecimento do cuidado em seus três níveis de complexidade.
O diagnóstico situacional é uma ferramenta que permite a avaliação sistêmica, visto que considera as necessidades da população, levando em consideração a epidemiologia, a organização e os processos dos serviços, a fim de fundamentar o planejamento de ações em saúde. Este relatório pode ser considerado uma das ferramentas de gestão mais importantes para auxiliar no planejamento e no direcionamento das ações em saúde.
Com base neste contexto, o projeto “Epilepsia: Diagnóstico Situacional” propõe a realização de uma avaliação detalhada e objetiva da situação atual da rede de atenção à saúde ao paciente diagnosticado com epilepsia no SUS. Através da identificação das oportunidades de melhoria na rede de atenção à saúde de cada região brasileira, será possível elaborar estratégias de enfrentamento para a doença no país, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida destas pessoas e suas famílias, podendo abranger tanto a prevenção como o tratamento.
Além disso, a iniciativa irá mapear o fluxo do paciente portador de epilepsia no sistema público de saúde, avaliando o processo de regulação no SUS para o atendimento nos diferentes níveis de atenção à saúde; identificar a demanda reprimida e atendida nos diferentes níveis de atenção do SUS de acordo com as regiões do país, identificando os tipos de serviços relacionados ao paciente citado; identificar a capacidade para atendimento de pacientes de epilepsia de difícil controle nas unidades de alta complexidade em Neurologia e Neurocirurgia habilitadas no SUS; avaliar o volume de pacientes atendidos para intervenções cirúrgicas com propostas curativas (cirurgias ressectivas) e paliativas (estimuladores de nervo vago- VNS); avaliar a estrutura e a organização dos processos para o atendimento dos pacientes portadores de epilepsia nos diferentes níveis de atenção; e elaborar estratégias com foco nas oportunidades de melhoria da gestão e da oferta de atendimento a pacientes portadores de epilepsia.
Objetivos do Plano Nacional de Saúde aos quais o projeto se vincula:
Política Pública Vinculada:
Benefícios ao SUS:
A curto e médio prazo, o projeto visa contribuir com a realização do diagnóstico situacional da rede de atenção ao paciente portador de epilepsia nos diferentes níveis de atenção à saúde. Por meio das potencialidades e fragilidades diagnosticadas, serão identificadas oportunidades de melhoria na rede de atenção à saúde de cada região brasileira. O mapeamento dos fluxos e processos nos três níveis de atenção poderá fornecer elementos para buscar estratégias que possam impactar também no cenário econômico, reduzindo os custos com a epilepsia no Brasil, uma vez que possibilitará entregar aos beneficiários do SUS uma assistência mais assertiva e de qualidade. Voltadas à promoção e qualificação do acesso aos serviços neurológicos, neurointervencionistas e neurocirúrgicos, estas oportunidades trarão subsídios para a elaboração de estratégias de enfrentamento da epilepsia no Brasil, bem como de novos projetos para implementação destas estratégias.
O diagnóstico situacional é uma ferramenta que possibilitará a identificação das demandas dos pacientes diagnosticados com epilepsia no âmbito dos serviços de saúde, compreendendo se o manejo está adequado às necessidades, bem como permitirá a avaliação da estrutura da rede de atenção quanto ao fornecimento dos serviços necessários para essa população.
Divisão:
Na atenção Primária e Secundária: será solicitado às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (SES / SMS) os registros de informações quanto ao diagnóstico e monitoramento de pacientes com epilepsia, quantitativo de pacientes atendidos por nível de atenção, fluxo de encaminhamento e o número de pacientes regulados, bem como serão analisados os protocolos de atendimento. Poderá ser realizado o agendamento de entrevistas online com gestores de saúde para identificação das principais dificuldades da rede de atenção à saúde do paciente com epilepsia. Dessa forma, será realizado diagnóstico situacional em todas as capitais do país, em cada secretaria de saúde estadual quanto a:
Na Atenção Terciária: ocorrerá por meio do levantamento de dados em 30 Centros de Referência habilitados na Alta Complexidade em Neurologia e Neurocirurgia com o serviço de Investigação e Cirurgia de Epilepsia no Brasil. Estes centros serão avaliados quanto aos fluxos de atendimento, envolvimento no processo de regulação, a oferta e a demanda, a estrutura física e a gestão dos atendimentos ao paciente com epilepsia de difícil controle. Para viabilizar o conjunto de informações, serão propostas visitas técnicas presenciais, entrevistas com gestores responsáveis pelo serviço de Neurologia e Neurocirurgia com o intuito de identificar:
Estratégias de enfrentamento:
Com o diagnóstico situacional concluído, torna-se possível identificar as lacunas na rede de assistência, criando uma oportunidade para propor estratégias de enfrentamento da epilepsia, com o objetivo de qualificar a rede de atenção como um todo, na atenção primária, secundária e terciária, a fim de ampliar e qualificar o acesso de pacientes com epilepsia.
O conjunto de estratégias, elaborado com foco nas oportunidades de melhoria identificadas no diagnóstico situacional, pretende relacionar informações vinculadas à gestão e à oferta de atendimento a pacientes com epilepsia, considerando as necessidades, as estruturas e as legislações pertinentes para cada região do país. Podem ser propostas ideias de planejamento como práticas de gestão, capacitação de profissionais, entre outras.
Propõe-se que as estratégias sejam voltadas a:
Elaboração de Estratégias de Enfrentamento:
As informações obtidas no diagnóstico situacional serão apresentadas para as partes interessadas e aos especialistas, a fim de subsidiar um debate com representantes de todas as esferas da saúde. Ao final, será entregue o documento intitulado: “Proposição de estratégias de enfrentamento para atendimento ao paciente com epilepsia no SUS”, contendo a análise dos dados e as proposições.
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