O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) vai estudar novos tratamentos para casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico agudo. Conduzido pelo Hospital Moinhos em parceria com o Ministério da Saúde, o projeto RESILIENT TNK foi publicado no Diário Oficial da União em Julho e será realizado por meio de dois estudos clínicos randomizados em 13 centros de pesquisa do Brasil. A perspectiva é de incluir e acompanhar, ao todo, 1.172 pacientes em diferentes regiões do Brasil. Os novos estudos fazem parte de uma importante Linha de Pesquisa em AVC inaugurada pelo estudo RESILIENT, financiado pelo Ministério da Saúde/DECIT/CNPq. O primeiro estudo RESILIENT, publicado na Revista New England em Junho de 2020, avaliou a efetividade da trombectomia mecânica no sistema público de saúde no Brasil e foi responsável pela incorporação deste tratamento no SUS em fevereiro de 2021.
Seguindo o mesmo objetivo do primeiro estudo, os novos estudos da Rede RESILIENT buscam responder questões ainda não resolvidas no tratamento de urgência do AVC. Agora, sob coordenação do Hospital Moinhos de Vento, a iniciativa executará dois estudos, o RESILIENT DIRECT TNK e o RESILIENT EXTEND IV. Os pacientes com AVC Isquêmico serão incluídos no estudo no momento da entrada da Emergência dos Centros de AVC e serão acompanhados ao longo de três meses para medir o desempenho do tratamento avaliando mortalidade, incapacidade e complicações geradas pelo AVC. Após este período, serão realizadas consultas presenciais ou por telefone no intervalo de seis e 12 meses.
“O AVC é a doença que mais incapacita as pessoas no Brasil e foi a primeira causa de morte por mais de 30 anos, perdendo, hoje, apenas para o infarto. A cada minuto em que o vaso sanguíneo cerebral está fechado, cerca de dois milhões de neurônios morrem, podendo causar sequelas graves e incapacitantes, como paralisias em partes do corpo, problemas de visão, memória e fala. Com esses estudos, vamos avaliar novas possibilidades de tratamento incluindo a avaliação da efetividade da tenecteplase (medicamento trombolítico que dissolve o coágulo que obstrui a artéria) nos desfechos clínicos, fornecendo novas alternativas de medicamento”, afirma uma das investigadoras principais do estudo e chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, Sheila Martins.
A trombectomia mecânica é um tipo de cateterismo cerebral usado para tratar os AVCs mais graves. Através do cateterismo o coágulo que entope a circulação é retirado (por aspiração ou através de um stent). Considerada padrão ouro para este tipo de AVC, a trombectomia foi aprovada desde 2015 por estudos feitos em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Holanda e Espanha. Habitualmente, pacientes que chegam até 4h30 do início dos sintomas recebem medicamento trombolítico (alteplase) - por enquanto, o único trombolítico aprovado para o AVC. “Se tiveram oclusão de grande vaso após receber a alteplase, são levados imediatamente para trombectomia mecânica. Apesar da chance de o grande vaso desobstruir com alteplase ser de 25-30%, como ele é um tratamento mais rápido de administrar (geralmente entre 30 e 45 minutos da chegada ao hospital), o medicamento pode ir agindo enquanto o paciente é preparado para a trombectomia (no Brasil, geralmente, entre a chegada e o início do procedimento leva em média 2 horas). Mas, não sabemos se o uso do trombolítico é necessário para estes pacientes”, pondera.
Por isso, surgiu o estudo DIRECT TNK, para avaliar se pacientes com oclusão de grande vaso que chegaram até 4h30 devem ir direto para trombectomia ou fazer trombólise mais trombectomia. Para este estudo, foi escolhido o trombolítico tenecteplase (TNK) no lugar da alteplase. “A TNK é mais fácil de ser utilizada (apenas uma injeção na veia, comparada a 1 hora de administração da alteplase) e por estudos prévios parece ter um efeito melhor para desobstrução do vaso ocluído. Cerca de 530 pacientes serão divididos em dois grupos: os que receberão TNK antes da trombectomia, e os que irão direto para trombectomia sem usar trombolítico antes”, explica Sheila Martins.
Outra questão não resolvida é o tratamento além de 4h30 para pacientes com AVC sem oclusão de grande vaso, portanto, não candidatos à trombectomia e que, atualmente, não recebem nenhum tratamento. Para avaliar a possibilidade de trombólise nestes casos, o estudo RESILIENT EXTEND IV incluirá 642 pacientes que dão entrada nos hospitais entre 4h30 e 12 horas após o início dos sintomas, divididos em dois grupos: um será medicado com a tenecteplase e, o outro, com placebo. “É importante ressaltar que nenhum dos estudos vai permitir que qualquer paciente deixe de receber tratamentos que estejam indicados”.
Segundo o Dr. Raul Nogueira, Professor da Emory University em Atlanta, Estados Unidos, um dos coordenadores da Rede RESILIENT, estes estudos, se positivos, têm o potencial de novamente contribuir mundialmente para mudança do manejo do AVC. No caso do RESILIENT Extend IV, ampliará o acesso ao tratamento efetivo do AVC até 12 horas do início dos sintomas com um medicamento mais fácil de ser utilizado mesmo em hospitais menores. No caso do RESILIENT Direct TNK, qualquer dos resultados será promissor: se o tratamento de trombectomia direta for melhor, reduzirá o custo do tratamento, não necessitando o uso de trombolítico antes. Se o tratamento TNK + trombectomia for melhor, esperamos que o benefício seja ainda melhor que o do RESILIENT principal, que usava o tratamento padrão com alteplase.
“De qualquer forma, ambos os estudos geram grandes expectativas na comunidade científica internacional, pelo potencial de trazer mais conhecimento e novos tratamentos para o AVC”, conclui a médica. Parceiros importantes nestes dois estudos são o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a Universidade Federal de São Paulo e o Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
Benefícios e origem do estudo
O neurologista vascular do Hospital Moinhos de Vento e líder operacional do projeto RESILIENT TNK, Leonardo Augusto Carbonera, afirma que o estudo trará, ainda, outros benefícios, "como a capacitação em pesquisa clínica dos profissionais dos centros de pesquisa participantes. No caso do estudo RESILIENT DIRECT TNK, todos os participantes receberão um tratamento que já está aprovado, mas ainda não é fornecido pelo SUS. Em relação ao RESILIENT EXTEND IV, os pacientes passarão por um método avançado de neuroimagem (tomografia com perfusão), que identifica a parte do cérebro que ainda pode ser salva", diz.
Carbonera explica, ainda, que o estudo é oriundo do estudo RESILIENT, também liderado por Sheila Martins e Raul Nogueira, e que comprovou a segurança e eficácia da trombectomia no SUS. Foi o primeiro estudo realizado em um país em desenvolvimento para evidenciar a diminuição do grau de incapacidade e a custo-efetividade da trombectomia mecânica. “A pesquisa atesta, ainda, a viabilidade da aplicação da terapia trombectomia mecânica em pacientes do SUS e conseguiu mostrar que os custos são compensados pelo maior benefício ao paciente, sendo uma nova forma de tratamento com redução de tempo de internação e redução de sequelas por meio de um procedimento minimamente invasivo", conclui.
Em relação ao projeto RESILIENT TNK, que estuda o uso da tenecteplase nos dois cenários citados, Carbonera esclarece que o medicamento é utilizado há anos para infarto do coração devido aos seus benefícios por melhor ação no coágulo e maior tempo de duração na circulação. “Passamos, então, a estudá-lo para o AVC isquêmico, visto também que já existem indícios de que possa ser tão ou mais eficaz do que a alteplase. Além disso, é uma medicação aprovada pela ANVISA e que já consta na relação de medicamentos do SUS”, conclui.
Prevenção evita até 90% dos casos de AVC
A chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, Sheila Martins, explica que o AVC é uma alteração súbita da circulação cerebral que pode ocorrer de duas formas: ou rompe um vaso sanguíneo cerebral espalhando sangue pelo cérebro, o chamado AVC Hemorrágico - que corresponde de 10% a 15% dos casos -; ou ocorre uma obstrução de um vaso sanguíneo cerebral e falta sangue numa região do cérebro, chamado AVC Isquêmico - que é o tipo mais comum, com tratamento possível se o paciente chegar rapidamente ao hospital.
Considerado o maior fator de incapacidade no mundo, é a segunda causa de mortalidade no Brasil, onde são registrados cerca de 400 mil casos por ano - destes, 80% são atendidos no Sistema Único de Saúde. Apesar das estatísticas, a especialista afirma que a doença é altamente prevenível, podendo-se evitar até 90% dos casos.
"Uma em cada quatro pessoas, no mundo, terá um AVC. A boa notícia é que pode ser evitado se atuarmos em dez fatores de risco fundamentais, como a pressão alta - considerada o principal fator; colesterol elevado; diabetes; fumo; fibrilação atrial (arritmia cardíaca que forma coágulos que podem obstruir a circulação cerebral); obesidade; sedentarismo; alimentação inadequada; abuso de bebidas alcoólicas; e depressão/estresse. Todos estes fatores implicam em uma mudança significativa no estilo de vida e é fundamental que a população tenha conhecimento disso, pois é uma doença que pode ser evitada com facilidade", explica. A Dra. Sheila reforça que o exercício é considerado um poderoso protetor contra o AVC: fazer 30 minutos de atividade física, cinco vezes por semana, reduz os riscos em quase 40%.