PROTAGONISMO FEMININO NO PROADI-SUS | CONHEÇA A TRAJETÓRIA DAS MULHERES QUE LIDERAM O PROGRAMA (pt. 2)

PROTAGONISMO FEMININO NO PROADI-SUS | CONHEÇA A TRAJETÓRIA DAS MULHERES QUE LIDERAM O PROGRAMA (pt. 2) PROTAGONISMO FEMININO NO PROADI-SUS | CONHEÇA A TRAJETÓRIA DAS MULHERES QUE LIDERAM O PROGRAMA (pt. 2)

Vânia Bezerra é suplente do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) e líder de Compromisso Social no Hospital Sírio-Libanês. 

Vânia é formada em Relações Públicas pela Universidade Cruzeiro do Sul; mestranda em Gestão para Competitividade, Saúde e Comportamento pela Fundação Getúlio Vargas. Tem especialização em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas; em Relações Governamentais pela Insper; Gestão de Atenção à Saúde pela Fundação Dom Cabral; em Gestão da saúde, qualidade e segurança e em Gestão de saúde no Século XXI pela Harvard T.H. Chan School of Public Health; Gestão em sistemas de saúde pela Kaiser Permanente School of Allied Health Sciences (KPSAHS).

 

1. Quais foram os principais desafios que você encarou na sua trajetória profissional até ocupar a liderança de um programa como o PROADI-SUS e de um hospital como HSL? 

Vim de uma família preta e pobre, do extremo leste da cidade de São Paulo (Itaim Paulista). Sempre digo que devemos ocupar os espaços vazios e ter altivez. Eu ainda sou preta clara e sou aceita pela sociedade com menos preconceito, mas quando olho minha mãe, meus quatro irmãos e sobrinhos, que possuem outra coloração, o preconceito é ainda mais presente. Quanto mais retinto o preto é, mais preconceito ele sofre.

Iniciei minha trajetória como recepcionista, mas ainda enfrentando problemas financeiros  e, alguns anos depois, minha carreira tomou uma nova direção, quando o hospital passou a fazer parte de um programa que amplificava nossas ações para todo o Brasil. Nesse meio tempo, me vi totalmente envolvida pela área de saúde pública e acabei me aproximando da gestão, assumindo posições cada vez mais estratégicas ao longo dos anos. 

Um dos momentos mais importante da minha carreira foi quando eu assumi a superintendência de responsabilidade social porque foram muitos desafios para assumir que é um cargo de alta liderança e no decorrer da minha carreira, nunca imaginei que eu iria assumir um cargo de alta liderança, respondo diretamente ao CEO e eu tive que rever as competências para o meu cargo. 

Infelizmente, automaticamente por ser mulher, a sociedade ainda associa o gênero a certas limitações. Quando a mulher precisa viajar a trabalho, por exemplo, ela fica preocupada com as insinuações da sua roupa, com o julgamento das pessoas em relação a viajar sem os filhos e marido. Isso reflete nas contratações de grandes corporações: quando há uma oportunidade de trabalho, os gestores procuram profissionais que possam ficar disponíveis para a empresa, ou seja, as mulheres, mães, que administram suas carreiras e ainda cuidam dos filhos, se tornam segunda opção ou nem são consideradas para determinadas posições. 

No meu caso, a vaga, que era desenhada para a superintendência da minha área, sempre foi ocupada por homens e médicos porque tem uma área ambulatorial. Eu preenchia todos os requisitos, menos a competência médica. Mas eu me desafiei e provoquei a instituição que eu trabalho em mudar o perfil e me posicionar na cadeira. A Ana Paula Pinho, XX do HAOC, também teve um papel importantíssimo, pois ela, que já estava em um degrau acima, me indicou para o cargo. Quando uma mulher sobe um degrau, ela tem que impulsionar outras mulheres e levo isso para minha vida. 

2. De acordo com seu histórico, como você enxerga a evolução do mercado de trabalho, considerando o aumento da participação feminina em cargos de liderança? 

Sou extremamente otimista vendo cada vez mais mulheres atuando na área da tecnologia, por exemplo - uma área dominada por homens. Nesse momento em que o mercado exige cada vez mais empatia, não vamos conseguir tocar somente o negócio pura e exclusivamente e, por isso, a intuição feminina e o olhar para o cuidado que vem da mulher, humaniza as relações e impacta positivamente o negócio. Nesse sentido, acredito que temos que premiar a entrega e não o esforço: a mulher foi sempre cobrada por estar no ambiente de trabalho de forma impecável, maquiada e sempre produzida e, na maioria dos casos, a entrega fica em segundo lugar. Enquanto que o homem não é cobrado por isso - o que vale são os resultados. O público feminino não imita mais o comportamento dos homens na liderança. Elas assumem a própria identidade, tentam fugir dos rótulos impostos e querem ser tão respeitadas quanto os homens. 

A sociedade tende a associar vulnerabilidade com fraqueza, tanto que se ouve ainda hoje o famigerado "isso é coisa de mulherzinha", ridicularizando inseguranças e até mesmo as intensificando com este comportamento. E este movimento de assumir a própria identidade tem ressaltado que mostrar vulnerabilidade no mundo corporativo é importante, pois garante enfrentar momentos e conversas difíceis, permite o feedback honesto e produtivo, além de trazer caminhos para contornar falhas e promover o desenvolvimento da equipe. É o que permite criar conexões no ambiente de trabalho.

Embora tenha crescido consideravelmente a participação das mulheres nas empresas, ainda há muitas barreiras para seu crescimento no mercado de trabalho. No ano passado, uma pesquisa envolvendo cerca de 500 empresas mostrou que apenas 3,5% delas têm CEOs mulheres, 16% têm diretoras e 19% têm gerentes mulheres. Se comparar a presença desse público em quadros executivos com os homens, a diferença é ainda maior: 42% das empresas contam apenas com homens em cargos executivos, enquanto 56% das companhias têm homens e mulheres ocupando essas vagas. Apenas 2% das empresas têm apenas mulheres em quadros executivos.

Na média, o total de mulheres em cargos executivos é de 23%, ainda é uma diferença gritante e que reflete a necessidade de maior reconhecimento, mais oportunidades, assim como mais facilidades de acesso à formação e especialização.

3. Na sua visão, como promover a participação feminina em cargos de liderança? 

Estar onde estou hoje me dá uma satisfação enorme e muito orgulho, pois sei que sirvo de exemplo para milhares de outras meninas e mulheres negras, de periferia (sou do extremo leste da cidade de São Paulo – Itaim Paulista), que passam a enxergar em mim a possibilidade para elas também.

O setor da saúde tem a questão do cuidar, ser mulher traz característica feminina, tem linha do cuidar.  Tanto que 70% dos profissionais da área da saúde são mulheres, principalmente porque as mulheres que têm suas carreiras, crescem nas carreiras da área da saúde, são prioritariamente enfermeiras. Começa como técnica, vira enfermeira, gerente, nutricionista e assim vai. É uma visão pouco explorada na área da saúde.

A mulher está sempre disposta a compartilhar, ela sempre pensa no coletivo. Homem compra coisas materiais, como relógios, e a mulher sempre pensa no coletivo, como máquina de lavar e fogão. 

Quem constrói um SUS melhor? Uma líder de hospital que é de comunidade. A mulher do hospital do Rio foi no morro durante a pandemia pedir para acabar com o tiroteio, porque o hospital estava lotado de pacientes com Covid. 



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